segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Ah, se eu fosse um cão

Hoje cedo, uma pomba me desafiou no Largo da Ana Rosa. Procurava, eu, como de costume, restos de comida no terminal de ônibus. Três pombas sobrevoavam a Vergueiro e fizeram uma suave curva em direção à estação. Uma delas me reconheceu de alguma corrida que lhe dera, de alguma migalha que não deixara, de alguma pulga compartilhada. Confesso que não me lembro de nada em especial. Pombas, aliás, parecem-me todas iguais. Ela me encarou e fez um movimento descendente em minha direção. Centímetros antes de me atingir, ela voltou a subir, mas o estrago já estava feito.

Sei que completou a parábola apenas porque já havia triunfado. No vértice, ela me encarou e, naquele exato momento, dei um passo em falso para a esquerda, quase dancei em frente a ela. Entende? Ela era Garrincha; eu, mais um João.

Quando se é humano, sempre se pode fingir um tropeço, ou que se dança por causa da música no ipod ou apenas porque o dia está bonito, mas não foi assim. Ela soube que eu tivera medo, que meu impulso fora de abaixar, cobrir a cabeça e implorar por misericórdia. Quando ela passou, eu poderia, ainda, ter latido para ela triunfante. Mas e se ela voltasse?

Um comentário:

Mura disse...

Belo texto, cara.
Há tempos não vejo algo diferente assim.