sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

DeLorian

- Quando a gente bebe e não acontece nada, a gente se sente esperto porque entende tudo; O problema é que às vezes a velocidade dos acontecimentos não condescende em nada com nossa embriaguez e o passado se torna mais nebuloso que o futuro.

- Acho que já percebi aonde você quer chegar. Se quiser falar fala rápido.
- Tá bom. Me arranja um cigarro, chefe? Quebra essa, vai? Deve ser meia-noite, a rua esta vazia e, com todo o respeito, o senhor acabou de me acordar... Tem isqueiro? Sempre fui sonâmbulo. Uma vez, quando morava na ilha -no começo da Avenida Campeche, quase na Pequeno Príncipe... Não conhece? Florianópolis. Esquece. O que interessa é que era perto da praia. Bem perto, aliás. Eu era moleque, devia ter uns 10 ou 12 anos de idade; uma manhã de domingo, minha mãe me acordou com palavrões e palmadas. Deviam ser umas 8 e eu dormia na areia. Descobri aos poucos a que se devia o esporro: minha mãe acordara pouco antes sentindo cheiro de gás e encontrou meu irmão mais novo desmaiado em frente ao fogão, que vazava. Resumindo: dados os indícios e uma discussão besta que tive com ela na véspera, fui acusado de tentativa de homicídio e condenado à cinta e ao remorso.

- Merecia mais.

- Dias depois, no que acredito ser o estágio mais próximo do sono que a consciência de um assassino mirim permite, ouvi meu irmão rezando de madrugada. Dizia que sentia pena de mim, que comungava meu sofrimento, mas antes eu do que ele ser detestado pela família. Tinha medo. E, afinal, que havia de errado em querer ser piloto de avião? Até hoje era segredo, mas aquela noite ele apanhou, muito.

- E ele não contou pra sua mãe de manhã?

- Não. Ele não gostaria que ela soubesse o que ele fazia com os amiguinhos atrás da escola.

- O que ele fazia?

-Isso não vem ao caso, seu guarda.

- Nem essa história de sonâmbulo que mata a família e dorme na praia. Você está aqui, com uma faca suja de sangue, desmaiado em cima de uma jovem morta; a facadas, não por acaso. Levanta daí, rápido!

- Um momento, sim? Apesar do sangue, da faca e da morta, custo ainda a acreditar que eu tenha matado. Dê-me o resto da noite e uma garrafa de cachaça que, até de manhã, ou eu descubro a verdade, ou eu mudo o passado.