quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Queria ser Kurt Russell


“Claro que lembro: Você descia de moto a escadaria do metrô na Sé e eu ia na garupa. Como se fosse em uma versão baixo orçamento de Fuga de Los Angeles, você dizia. As pessoas desviavam quando passávamos. Saltávamos a catraca e descíamos as escadas e aos trilhos, bem na hora em que chegava um trem. As luzes dentro do metrô eram como num túnel na Ayrton Senna, só que não havia trânsito.”
“Ta, mas deixa eu te contar o final: Lembra pra onde a gente ia? Ana Rosa. Quando a gente chega no Paraíso, tem um trem parado. Consigo ver a cara do motorista do trajeto contrário antes de acordar com meu próprio grito, solitário na madrugada da Aclimação.
Minha terapeuta dizia que tudo estava relacionado à minha homossexualidade reprimida, que o que eu queria era que você, por trás de mim, tivesse um pau. Os dois sabemos as conseqüências de minha saída do armário imaginário. É estranho, desculpa falar isso agora, mas ainda sinto sua falta... Engraçado, eu queria ser Kurt Russell e você me largou por causa de um desses carinhas que fazem stand up comedy. Um babaca.”
“Nossa, como você viaja. Foi você quem pediu pra ficar um tempo sozinho, Felipe”.     
“Tá. Mas agora está tudo claro. Volta?”
“Não mesmo. Vamos embora.”
“Pode deixar. Essa é minha.”
“Não, mesmo.”